'Pão por Deus por alma dos seus!’

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No dia 1 de novembro celebra-se o Pão por Deus em São Roque do Pico. Na Câmara de São Roque creditamos no valor desta tradição e queremos contribuir para a sua permanência.
Qual é a origem do Pão por Deus? Como é celebrada nas freguesias do nosso concelho? Saímos à rua para responder a estas perguntas.

“A tradição do Pão por Deus certamente está relacionada com o culto aos mortos das religiões pagãs, nomeadamente celtas” – explica o Padre Júlio Rocha da paróquia de São Roque – “Da perspetiva dos cristãos, com a inculturação, trata-se de oferecer em nome de Deus alguma coisa aos pobres e, com a evolução, às crianças de uma forma particular”.

Albertina Pinheiro, 71 anos, natural de Santa Luzia relembra a sua infância: “na manhã do Dia de Todos Santos, juntavam-se ao pé da minha casa muitas crianças com as suas bolsas de retalhos. Quando chegávamos ao pé de uma porta dizíamos ‘Pão por Deus por alma dos seus’. Corríamos a freguesia carregados com batatas brancas e doces, maçarocas de milho, laranjas, castanhas, nos botequins davam-nos rebuçados e, por vezes, lá vinha uma serrilha.”
Eram outros tempos, explica Albertina, “tudo tinha um valor incalculável, por muitas famílias já não terem batatas nesse tempo para colocar no comer de panela”. 
Para Albertina “hoje, o Pão por Deus mistura-se um pouco com uma outra tradição pagã, o Halloween, importada de outros países”.

“Em São Roque minha mãe fazia-me sempre uma bolsinha de retalhos e agente ia pelas portas, eu ia com as minhas vizinhas e amigas, não havia nada dessas bruxarias”, diz Alda Caldeira. Conta, também, que a sua família se visitava e que havia sempre alguma coisa especial para comer na data.
Alda, 67 anos, natural de São Roque e moradora no lugar do Cais do Pico, remata “as pessoas davam milho, davam castanhas, davam batatas doces, já davam alguns doces – eu lembro-me de uma senhora que era professora que já fazia rebuçados em casa”.
A munícipe sente saudades do Pão por Deus, “mas ainda assim continua a vir crianças no dia, aquela história do bruxedo é que não me entra muito bem”, acrescenta.
Alda Caldeira é da opinião de que “hoje se faz de tudo uma brincadeira”, é por isso que “as crianças tinham de ser mentalizadas de casa da essência do Pão por Deus, que não é só andar na festa, que aquilo não nasceu assim, nasceu pela necessidade da partilha, dos que têm darem aos que não têm”.

Maria Albertina, 52 anos, natural de São Roque do Pico, lugar do Cais do Pico, conta que o seu Pão por Deus “começava de manhãzinha, andávamos todo o dia naquilo, de manhã à noite no Cais, São Roque, Santo António. Naquele tempo davam muitas maçarocas, milho, castanhas, uns copinhos de água ardente e quando não davam nada agente dizia ‘maçaroca cozida, maçaroca assada tranca daqui, tranca dacolá, tranca no cu de quem não dá nada’”.
Para a munícipe “O Halloween não tem nada a ver com Pão por Deus. Não é ‘doçura ou travessura’. É ‘Pão por Deus, pela alma dos seus’”.

Segundo Fátima Melo, 70 anos, natural de Santo Amaro, “as crianças saírem à rua é uma tradição mais nova, as crianças vão, agora, com os saquinhos pelas casas, mas antigamente não. Antigamente agente dava às pessoas que tinham falta alguma coisa que tínhamos nas nossas casas… pão… alguma que tivéssemos, que dávamos por alma dos nossos”.

“Aqui no meu tempo não se fazia festa do Pão por Deus”, conta Lucinda Serpa, 72 anos, natural da Prainha. “Tinham castanhas e iam à adega com os amigos e era só, nem sequer os rapazes iam fazer peditório nem nada, era pobrinho”.

Maria Liduína, 75 anos, natural de Santo António, do lugar de Santa Ana, relembra: “levantávamo-nos e juntávamo-nos em grupos de crianças, cada um com a sua saquinha, e íamos de porta em porta pela freguesia toda pedindo o Pão por Deus. Recebíamos maçarocas, batatas doces, castanhas, rebuçados e algumas moedas de 10 e 20 centavos – que nos eram dadas pelas pessoas mais abastadas.”

É inquestionável que o Pão por Deus de ontem é diferente do Pão por Deus de hoje. Em São Roque, Santo António e Santa Luzia o ritual era semelhante ao de hoje, as crianças muniam-se das suas bolsinhas de retalhos e faziam um peditório pela freguesia. Pelo que apuramos, em Santo Amaro a tradição não era reservada exclusivamente às crianças, tratava-se de doações aos mais carenciados. Na Prainha não era uma das tradições de maior relevo.
Falar de Pão por Deus na atualidade parece também falar do Dia das Bruxas ou Halloween.

O Padre Júlio adverte que “o espírito aqui é que conta, o que conta é dar uma esmola em nome de Deus e isso é sempre um espírito bom. O essencial é essa questão do Pão por Deus. Não pode ser por outra coisa”.
Para o Pároco “a perspetiva das crianças deve ser a de estar a pedir em nome de Deus, ou seja, a ideia de que aquelas pessoas que estão a oferecer porque amam a Deus ou porque amam alguém e estão-se a lembrar dessa pessoa ao dar, por isso a perspetiva das crianças deve ser a de entrar dentro dessa gratidão”.

Na impossibilidade de colocarmos todos os testemunhos que recolhemos aqui, procederemos à publicação de uma versão maior na Página Autárquica do Jornal do Pico. Convidamos os nossos munícipes cibernautas a deixarem, nos comentários, as suas memórias do Pão por Deus, bem como histórias e opiniões relacionadas com a celebração. Agradecemos a ajuda preciosa aos já que o fizeram, dando origem a este texto.

Quer escolham celebrar ou não a tradição do Pão por Deus, a Câmara de São Roque do Pico deseja um Feriado feliz a todos os munícipes.


2018-11-15 11:29:35

CMSRP